Como utilizar elementos aleatórios para sair do bloqueio criativo (ou da zona de conforto) e criar personagens únicas e surpreendentes no seu RPG!
Imagem: Wallpaper Flare
A criação de personagens em um RPG de mesa é, para muitos, uma das partes mais divertidas do jogo. Ao desenvolver esses indivíduos fictícios, seus antecedentes, motivações e objetivos, estamos também criando a interface pela qual podemos interagir com o cenário, o enredo e, claro, com os demais integrantes da mesa. É o momento no qual você pode decidir ser quem quiser, definir seu lugar e seu papel na história que será contada - e, portanto, uma etapa fundamental na estruturação do jogo.
Contudo, justamente por conta dessa sensação de responsabilidade, este pode ser (e, para alguns, é) um processo sofrido e confuso. Em meio a tantas opções e decisões que devem ser tomadas, especialmente em jogos mais complexos, é comum que jogadores sintam-se inseguros e tenham dificuldades em concretizar todas as ideias que lhes passam pela cabeça. Em certos casos, isso pode estar relacionado à falta de referências sobre as regras, o cenário ou até mesmo sobre os temas da aventura. Em outros, as dúvidas podem surgir simplesmente por conta do excesso de opções; e há, ainda, os casos nos quais o problema é o limite de tempo que o jogador tem para se dedicar a essa etapa. Quem já criou personagens em jogos como Pathfinder [Paizo, New Order] sabe que o processo pode ir muito além das 3 a 5 horas semanais/quinzenais/mensais que grupos costumam dedicar ao jogo.
Antes da solução, um último problema
Antes de chegarmos ao prato principal deste texto, gostaria de falar brevemente sobre uma outra dificuldade enfrentada por muitos jogadores na hora de criar suas personagens: assumir outro ponto de vista. É claro que é impossível se desvencilhar completamente da sua personalidade e das suas experiências - afinal você é feito delas - mas vários jogos podem exigir que as personagens existam em contextos muito específicos, como um determinado período histórico, ou um cenário de alta fantasia. Também há universos fictícios que abordam coisas como política, moralidade e violência de formas muito diferentes das quais estamos acostumados, o que pode criar barreiras difíceis de transpor sem referências mais profundas.
Encontrar novas maneiras de enxergar o mundo e reconstruir nossas pré-concepções (e preconceitos) não é algo que ocorre de um dia para o outro. E, já que não dá para esperar o fim do infindável antes de se permitir jogar RPG (tipo ler todos os livros do World of Darkness antes da sua primeira sessão de Vampiro), acho que as sugestões abaixo podem ajudar muito nesse processo todo! Sigamos em frente.
Um ponto de partida
Quando falamos sobre usar a aleatoriedade na criação de personagens, é bom deixar claro que isso não significa definir todos os aspectos de uma personagem rolando alguns dados. É provável que, assim, o resultado final acabe sendo um indivíduo um tanto incoerente - a não ser que seu jogo aconteça em um cenário que dê espaço ao absurdo.
Por isso, sempre é legal definir um ponto de partida. Qual é o aspecto mais importante da personagem que você quer criar? Sua profissão? Seu povo? Talvez algum evento marcante de seu passado, como uma tragédia ou uma grande descoberta? Uma única ideia basta, algo que te deixe animado(a) para jogar. Essa ideia será sua referência se as coisas perderem o sentido, uma maneira de conectar os resultados imprevisíveis dos dados que virão mais pra frente.
O ponto de partida também serve como um jeito de manter sua personagem ligada a um aspecto que lhe agrada no cenário. Este pode ser uma religião, um lugar, ou mesmo uma outra personagem. Mas lembre-se de não se perder nas opções. Uma ideia basta!
Atributos aleatórios
Muitos jogos utilizam valores numéricos para representar as principais características físicas, mentais e sociais de cada personagem, geralmente divididas em 3 ou mais categorias, como Inteligência, Força e Agilidade. Nestes jogos, é comum que você possa distribuir uma determinada quantidade de pontos entre as categorias da maneira que bem entender, escolhendo as forças e fraquezas da personagem dentro de certos limites. Mas há outras maneiras de obter inspiração e explorar novas possibilidades acrescentando mais aleatoriedade no processo! Abaixo, utilizarei 2 jogos como exemplo disso.
Primeiramente, sinto que devo citar Chamado de Cthulhu [Chaosium, New Order], o famoso jogo de horror de Sandy Petersen, pois ele traz uma ideia interessante: a rolagem de atributos em ordem. Isso funciona da seguinte maneira: assim como em Dungeons & Dragon 5e, você deve obter os valores de atributos seguindo uma fórmula. No caso de CdC, 3d6 vezes 5 (geralmente). A diferença aqui está no fato de que você deve determinar em qual habilidade colocará o resultado antes de rolar os dados, em vez de obter alguns resultados e distribuí-los posteriormente. Desta maneira, combinações imprevisíveis surgirão; combinações com as quais você terá de lidar criativamente!
Mas espera aí… e se você tiver decidido que sua personagem é uma acadêmica e a rolagem de Inteligência for péssima? Como é que esta pessoa estudou a vida inteira e não sabe nada? Pode parecer uma ideia maluca, mas é justamente aí que uma história muito interessante deve surgir; tão interessante, que talvez você não precise definir mais nada de maneira aleatória, pois terá encontrado a essência da personagem. E se ela…
… fosse uma cientista que sofreu um acidente e teve danos cerebrais, perdendo parte da memória?
… tivesse conseguido ascender na hierarquia do mundo acadêmico através de trapaças e intrigas?
… estivesse, na verdade, disfarçada de outra pessoa, assumindo uma identidade com a qual tem dificuldades de lidar?
Não sei você, mas eu acredito que podem surgir personagens incríveis e únicas de uma dessas premissas!
Como segundo exemplo, utilizo Vampiro: A Máscara, um jogo no qual os jogadores têm total controle sobre a criação. Não há valores gerados aleatoriamente e todos recebem a mesma quantidade de pontos para distribuir em suas personagens. Como acrescentar o “elemento surpresa” e diminuir o peso das decisões neste caso?
Uma possível solução é a seguinte: antes de começar a definir as pontuações de cada Característica, observe quantas opções existem, associando essa quantidade às faces de um dado. Se houver 10 habilidades, você pode utilizar um dado de 10 lados; se houver 15, pode usar um d20 e ignorar resultados maiores que 15; e assim por diante.
Feito isso, role o dado escolhido - a habilidade “sorteada” será sua melhor habilidade, aquela na qual sua personagem é excelente! Se precisar de mais inspiração, pode fazer o mesmo para definir uma habilidade na qual ela terá muita dificuldade. Assim, cria-se também um esboço de seus defeitos. Da mesma maneira que a “Acadêmica desprovida de Inteligência”, você pode acabar com um “Nosferatu sedutor” que renderá boas histórias!
Outros aspectos, tabelas e listas
Além dos elementos discutidos acima, a maioria dos RPGs pede que você determine coisas como Ocupação, Raça, Classe, Antecedentes, Personalidade, e outros aspectos da personagem. Qualquer que seja a lacuna que você precisa preencher em sua ficha, tenha em mãos uma lista das opções!
Muitos jogos apresentam diversas tabelas para esta finalidade, mas há vários que não oferecem essa possibilidade no próprio livro. Para estes, uma rápida busca na internet é a solução. Há incontáveis listas de profissões, lugares, povos, equipamentos, armas, motivações, defeitos, qualidades, medos… Muitos sites que nada tem a ver com RPG podem ajudar muito!
Exemplos desta experiência seriam:
* Definir aleatoriamente um Talento Inicial para uma personagem de Starfinder ou um Super-Poder para uma heroína em Mutantes e Malfeitores;
* Rolar nos dados os antecedentes (e até mesmo algumas magias) de uma aventureira em D&D;
* Determinar uma Ocupação (Profissão) aleatória para sua personagem de Chamado de Cthulhu utilizando uma lista encontrada na internet.
Neste ponto da criação de personagem, pode ser que não seja mais necessário buscar respostas imprevisíveis. Mas, enquanto as surpresas lhe inspirarem novas ideias, o processo continuará sendo válido!
Organizando o caos e moral da história
Como comentei acima, é importante que você mantenha em mente seu ponto de partida durante todas as etapas do desenvolvimento da personagem. Sempre que obtiver um resultado aleatório, pergunte-se:
* Como isso se relaciona com o meu ponto de partida?
* Como isso pode tornar minha personagem mais interessante e única?
* Como posso explicar as incongruências obtidas? (ver exemplo em “Atributos Aleatórios”, acima)
Se for possível responder essas 3 perguntas de maneira satisfatória para você, perfeito! Algumas vezes, será mais difícil fazê-lo; outras, será mais fácil. Mas quase sempre há uma maneira de criar uma narrativa interessante, qualquer que seja a combinação de fatores! O importante é que a imprevisibilidade alimente a sua imaginação!
Da mesma maneira que buscamos inspiração em histórias e personagens que nos agradam fora do RPG, podemos encontrá-la também no desconhecido. A aleatoriedade é capaz de romper nossas limitações, e também de criar novas rotas rumo à diversão. Não deixe nenhum processo do seu jogo se tornar penoso. Curta! Aproveite! E, acima de tudo, busque sempre novas histórias para contar!
O que achou dessas ideias? Que outras técnicas você gosta de usar ao criar personagens? Deixe seu comentário ou mande uma mensagem pra gente!
Contem histórias. Rolem dados. Divirtam-se!
Até a próxima!
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