Narrar uma one-shot pode ser um grande desafio. A falta de tempo para resolver os imprevistos te deixa em apuros? Quero te ajudar!
Imagem: 58bluemarbles
Uma das grandes vantagens do RPG é a versatilidade. Há cenários, abordagens e níveis de complexidade completamente diferentes. Por outro lado, essa mesma versatilidade pode ser um vilão para muitos mestres. Assim, sempre que os jogadores decidem fazer o que fazem de melhor – que é “o que você nunca pensaria” – é exigido do narrador habilidades que podem ser um problema para muitos. Quando estamos em uma campanha, por menor que ela seja, sempre há tempo para ajustes entre uma sessão e outra. Em um one-shot, nome em inglês para uma sessão única de RPG, geralmente, não temos este tempo.
Definitivamente, improvisação é uma habilidade necessária para todo o processo de narração. Mas quando estamos jogando com uma história que precisa começar, acontecer e se resolver em um curto período de tempo; quando não temos tempo de explorar background de personagens para melhor envolver os jogadores, como em uma one-shot, isso é ainda mais necessário. Todavia, como narradores, devemos aproveitar as contribuições narrativas dos jogadores. Mas não se trata apenas de acrescentar informações novas à história. Se fizermos apenas isso, temos uma grande chance de nos perdermos nela. Portanto, a melhor coisa a se fazer é adaptar. Saber o que colocar e o que tirar, sem perder consistência e mantendo o controle do tempo da sessão.
Em nossas experiências nos eventos mensais da Torre do Dragão, pudemos aprender muito com narrações de one-shots. Mais ainda considerando que precisamos estar prontos para quaisquer tipos de pessoas e jogadores. Portanto, espero que minha experiência possa te ajudar a amenizar um pouco suas dificuldades.
O planejamento para one-shot
Planejar é muito necessário! É importante ter a sessão bem preparada: Uma introdução atraente; uma história envolvente; cenas emocionantes. Porém, planejamento sem moderação pode nos deixar inflexíveis. Quando planejamos muito, nos prendemos às resoluções que imaginamos e ficamos perdidos quando surpreendidos com resoluções muito diferentes das nossas. Porque sabemos as consequências das resoluções que nós imaginamos. Como ser capaz, então, de calcular as consequências do inesperado quando estamos narrando uma one-shot? Não temos tempo de analisá-las e entender se elas cabem ou não no tempo que dispomos da sessão. A resposta aqui é simples: Conhecendo o cenário.
Já falei em diversos textos meus aqui: conhecer bem o cenário é a melhor forma de se preparar para os imprevistos. Saber como as coisas funcionam, como as pessoas enxergam este ou aquele comportamento, quais as crenças locais, etc. Se estas informações estiverem claras para você, será muito mais fácil dizer quais efeitos certa ação é capaz de causar, mesmo em uma one-shot.
Além do cenário, neste caso é importante entender qual o objetivo da sessão. Qual a moral da história? O que eu quero que os jogadores sintam? É um jogo/sessão dramática? É uma aventura heroica? Ou é de terror que estamos falando? É o que chamamos também de tom da aventura. Se você tiver o tom da sua one-shot claro, será mais fácil identificar o que faz ou não sentido na história.
O limite do controle
Narrar não é definir a história para seus jogadores viverem. Acima de tudo, é proporcionar as ferramentas para que os jogadores, juntos, construam-na. Porém, quando estamos narrando uma one-shot precisamos manter um pouco mais de controle das coisas. Às vezes, é necessário manter a história mais próxima de um trilho para que você consiga manter o controle da viagem. Contudo, isso não significa ignorar as contribuições dos jogadores que alteram as coisas. Mas saber que existe um caminho a ser percorrido para que a história tenha alguma conclusão no tempo pretendido.
Em one-shots precisamos usar a ilusão da escolha mais do que em qualquer outra sessão. Deixar os jogadores escolherem quais caminhos querem seguir, sem que eles saibam que, talvez, poderiam ter escolhido qualquer um. Aquela pista importante que estaria no destino do veículo que eles deveriam seguir, pode estar agora em outro local. Se isso for necessário para que as coisas avancem, faça isso! Pode não haver tempo para que eles encontrem a tal pista em outro lugar. E, se temos apenas uma sessão, pode não ser legal fracassar. Não que o fracasso não possa ser divertido ou benéfico, mas se não há uma sessão posterior para que percebam o avanço da história mesmo sob o fracasso, pode não ser a melhor experiência.
Em one-shots é importante entender que é sim necessário manter um controle maior das coisas. O tempo é um vilão aqui. Dê as pistas necessárias para os jogadores encontrarem o sequestrado e liberdade para que eles escolham se devem ou não resgatá-lo. Mostre o caminho para o grande vilão e permita que eles decidam se aliar ou não a ele. Acima de tudo, não planeje em excesso. As resoluções são papel dos jogadores, não sua, mestre! Seu papel é entender as consequências e aplicá-las.
Desenvolvimento dos personagens
O jogo é para os jogadores, não para os personagens! São os jogadores que tem que se sentir interessados em saber mais sobre o que você levou para a mesa. São os jogadores que precisam querer levar a história de seus personagens adiante. Entretanto, é a história dos personagens que se desenvolve e avança.
De fato, em one-shots nem sempre há tempo para envolvermos a história dos personagens na aventura. Algumas coisas são simples de acrescentarmos em certas cenas, como um vício em café, ou um temperamento mais violento. Mas quando a informação é um tanto mais complexa ou profunda nem sempre temos tempo para explorá-la. Não se desespere! Dependendo das situações vividas em uma one-shot, pode ser mesmo que várias características dos personagens nem venham à tona.
Sobretudo, não é assim a vida também? Ninguém consegue contar uma vida inteira em 2 horas. Portanto, não se sinta obrigado a explorar todas as características dos personagens dos seus jogadores em apenas uma one-shot. Procure ressaltar ao menos 2 ou 3 características de cada personagem. Proporcione momentos de batalha onde os personagens fortões podem fazer o que gostam, mas insira algum NPC que curta bater um papo para aquele jogador que ama um role-playing poder se divertir também.
Imagem: A Hiramitsu
Não complete o mapa (para jogos online)
Entre as vantagens do RPG online estão os VTTs (Virtual Tabletops), que são mesas virtuais que possuem recursos que podem fazer de uma one-shot uma superprodução. Mapas interativos, campos de visão bem definidos (fog of war), salas e corredores prontinhos para serem explorados. Mas não se empolgue muito. Se o mapa estiver 100% completo você estará em suas mãos. Deixar um mapa inflexível, onde a porta 1 leva a sala 2 e a porta da sala 2 leva a escada principal que possui a porta 4 e 6 e que dentro de cada sala existe isso ou aquilo pode ser impressionante pela completude do cenário, mas te faz refém dele.
Tenha em mente que você pode sim ter todas as salas que pretende, mas se seus jogadores passarem o dobro do tempo planejado na sala 2 (e já vamos falar de tempo) e você colocou uma pista importante na porta 6, mas eles decidiram entrar na porta 4, o que você pode fazer? Se seu mapa estiver 100% pronto e você precisar ajustar o tempo da one-shot, você não consegue. Ou terá que quebrar bruscamente a imersão para “pular” partes do mapa para encurtá-lo.
Seja como for, permita que, caso o tempo esteja curto, a porta 4, agora é a porta 6. Ou coloque o que encontrariam na porta 6, na porta 4 e simplesmente ignore a porta 6. Não seja tão apegado à sua preparação para a one-shot. Isso vale para as resoluções e também para mapas e outros materiais. Lembre-se que a história se constrói na mesa, com os outros jogadores. Portanto, não queira deixá-la pronta antes disso.
O início da One-Shot
Certamente, é importantíssimo pensar em como começar essa sessão. Pode não haver tempo para todos os personagens se conhecerem e descobrirem sozinhos os motivos de começarem aquela jornada juntos. Comece a one-shot direto na ação! Tenha informações sobre os personagens e faça você mesmo uma introdução para situá-los uns com os outros. Comece a sessão com a ação já em movimento: “Vocês estão em um barco em alto mar depois de 3 longos dias de viagem em direção à Ilha Perdida de Cátiris. Ao acordarem no 4º dia, percebem que estão fora da rota. O vento não sopra mais e ao consultarem todas as bússolas a bordo, notam que seus ponteiros não conseguem encontrar o norte.”
Pronto! Eles já estão inseridos na ação e você economizou tempo, preciosíssimo em one-shots. Não foi necessário encontrar o porto, negociar com o dono do barco e já existe algo para tentarem resolver de imediato. Nem foi necessário apresentar os personagens entre si. Em uma situação dessas eles podem ter passado os 3 dias iniciais sem trocar palavras mais aprofundadas sobre seus personagens, mas já estão em uma situação onde precisarão da ajuda uns dos outros. Como resultado, os personagens já estão vivendo a aventura e, depois de algumas informações, os jogadores já sabem o que aconteceu até aí.
Quanto tempo tenho?
Mas Julyanna, como eu sei quanto tempo cada cena vai durar? Você não sabe. Ninguém sabe. Definitivamente, é impossível prever todas as possibilidades que podem surgir na mesa. Mas podemos definir quanto tempo queremos que elas durem. Liste as cenas que você quer que aconteça na sua sessão.
Primeiramente, defina o que encontrarão e com quem interagirão em cada uma delas e com qual objetivo. Depois desta estrutura pronta, baseado no tempo disponível para a one-shot, estipule as proporcionalidades de duração de cada uma delas, levando em consideração o que poderá ser encontrado no local e a complexidade da informação. Considere que informações-chaves da aventura costumam levar mais tempo para serem processadas e quase sempre é o momento em que os jogadores precisam de maior tempo para discutirem juntos os próximos passos.
Dê esse tempo a eles! Se demorarem muito, é só olhar para sua estrutura e ver o que você pode ignorar ou realocar. Por fim, lembre-se de sempre deixar algo acontecendo enquanto eles estão decidindo, e alerte-os disso. Ter uma contagem regressiva para algo que pode acontecer é a melhor forma de evitar que fiquem empacados em algum lugar ou situação.
Sucesso na one-shot
Claro que existiriam outras dicas que poderiam te ajudar e a maior delas é que a prática é a melhor forma de aperfeiçoar suas habilidades. Mas começar com alguma ajuda já é melhor do que ter que aprender tudo só. Pense nestes aspectos para sua próxima one-shot.
Dessa forma, use o tempo a seu favor e aproveite cada minuto da sua história para criar uma experiência completa para os jogadores. Deixe o terreno livre para explorações e não complete todas as lacunas. Pense que a história é construída na mesa, mas saiba que você é o responsável por fazê-la fazer sentido em uma única sessão.
Deixe seu comentário sobre o que achou dessas dicas. E me conte o que mais você se atenta quando está preparando ou narrando uma one-shot. Compartilhar experiências é das formas mais lindas de aprender.
Obrigada pela leitura e até a próxima!